quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

No grande silêncio


    "Aí está o mar, aqui podemos esquecer a cidade. É verdade que tocam ainda a Ave Maria - é esse o ruído fúnebre e insensato, mas suave, na encruzilhada do dia e da noite - esperem um momento ainda! Agora tudo se cala! O mar se estende pálido e cintilante, mas não pode falar. O céu joga com cores vermelhas, amarelas e verdes seu eterno e mudo jogo do crepúsculo, não pode falar. Os pequenos escolhos e os recifes que correm no mar, como para encontrar o local mais solitário, todos não podem falar. Esse enorme mutismo que de repente nos surpreende, como é belo e cruel para dilatar a alma! - Ai! que duplicidade há nessa muda beleza! Como poderia falar bem, e mal também, se o quisesse! Sua língua presa e a felicidade sofredora marcam seu rosto, tudo isso não passa de malícia para zombar de tua compaixão! - Que importa! Não me envergonho de atrair o riso de semelhantes forças. Mas tenho dó de ti, natureza, pois tens de te calar, mesmo que fosse somente tua malícia que te prende a língua: sim, tenho dó de ti, por causa de tua malícia! - Ai! o silêncio aumenta mais ainda e o meu coração se dilata de novo: espante-se com uma nova verdade, ele também não pode falar, se põe de acordo com a natureza desafiar, quando a boca quer lançar palavras no meio dessa beleza, ele próprio goza da doce malícia do silêncio. A palavra, o próprio pensamento se tornam odiosos para mim: não será que ouço, por trás de cada palavra, rir e não escuto o erro, a imaginação e o espírito de ilusão? Não devo zombar de minha compaixão? Que eu zombe de minha zombaria?- Ó mar! Ó tarde! Vocês são mestres maliciosos! Ensinam o homem a deixar de ser homem! Ele deve se abandonar a vocês? Deve torna-se como vocês são agora, pálidos, cintilantes, mudos, imensos, repousando em si mesmo? Deve elevar-se acima de si mesmo?" - Nietzsche

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