sábado, 20 de julho de 2013

A Dança das Fadas



Se eu fosse jovem e o sonho e a morte
    fossem distantes como então,
Não partiria minh'alma ao meio,
    guardando dela aqui um quinhão
Que tentaria o mundo das fadas
    alcançar, mas sempre em vão
Enquanto a outra parte dela
    andasse pela escuridão
Até curvar-se e dar três beijos
    numa bela fada de maio
Que águias do céu arrancaria, com elas
    pregando-me a um raio
E se meu coração fugisse dela,
    se se desvencilhasse dela,
Num ninho de estrelas envolto
    a fada ainda o traria com ela
Até que dele se cansasse,
    quando enfarada o deixaria
Num rio de fogo onde meninos
    o acabariam roubando um dia,
O iriam pegar, dele abusar,
    puxando-o, deixando-o fino,
Partindo-o em quatro fios
    p'ra encordoar algum violino.
E todo dia e toda noite
    tocariam nele um madrigal
Que todos poria p'ra dançar
    de tão estranho e sensual,
E o público rodopiaria,
    saltitaria, cantaria em coro
Até que, com o olhar em brasa,
    desabaria em rodas de ouro...

Mas isso foi há sessenta anos,
    e jovem eu já não mais sou:
Para tocar além do sol
    meu coração já alçou voo.
Com mente e olhar cheios de inveja,
    admiro as almas isoladas
Que tal vento lunar não sentem,
    alheias à Dança das Fadas,
Que não seduzem quem não as ouve,
    quem não se atreve a ser tão forte.
Quando era jovem, eu era um tolo. Então
    me envolva em sonho e morte.

Por Neil Gaiman, em Coisa Frágeis 2

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